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segunda-feira, 27 de maio de 2013

COMO OUVIR O INVISÍVEL?


                    Atualmente, vivemos um importante problema: A crescente escassez da escuta. É notável a reclamação generalizada, são muitos os que não se sentem ouvidos. Na reunião de trabalho, no ônibus, no almoço, na família, no debate, no protesto, a fala perde-se, se dissipa. Onde jaz o destino da palavra? Talvez a resposta esteja no seu avesso. Para ouvirmos o falante, precisamos silenciar a nós mesmos. A palavra só encontra seu destino no silêncio. Para cada sujeito ignorado encontramos um outro falante, uma alteridade que também não quer abrir mão de sua expressão, da verbalização de seus pensamentos, que não quer silenciar-se, que em suma não pode transitar do espaço do ator (o palco) para a plateia.

             Podemos dizer, que para a construção da subjetividade, precisamos do outro, sua imagem, seu olhar, sua fala e sua audição. Não há indivíduo sem sociedade, pessoa sem relação, toda divisão precisa ser superada. Pensando nisso questionamos: Com uma plateia vazia como formar bons atores? Em outras palavras, num território onde todos querem representar seus próprios egos, expressar-se em demasia, sem dar lugar ao outro, é possível uma subjetividade sadia?

            Coadunamos com uma sociedade que dá importância exagerada à extroversão, à fala e a auto expressão. O Eu é demasiadamente glorificado, vivemos em profusão de estímulos, exuberância e exagero. O entorpecimento das nossas sensações em alta inflação do Ego está em detrimento do Outro empobrecido, cada vez menos investido do capital da escuta. Ficamos anestesiados para a experiência da alteridade.

            Tudo isto se agrava quando falamos das “minorias”, das parcelas historicamente ignoradas e caladas à força, pelo dito do “mais forte”. Mulheres, índios, pobres, criminosos, velhos, negros, latinos, homossexuais, analfabetos, interioranos, crianças, suburbanos, loucos e muitos outros. Dar voz a eles significa abrir espaço, dar lugar, colaborar para a emersão de subjetividades da amálgama do esquecimento. É promover vitalidade psíquica e social, é poder inventar novas relações e assim criar uma nova cidade. Esta é a escuta do invisível, é a escuta engajada, aquela que cria novos atores, ativos sociais. Estes novos falantes inevitavelmente irão nos surpreender com seu olhar sobre o mundo, possibilitando a ressignificação por todos os ouvintes, que mais cedo ou mais tarde, poderão abrir mão de suas ideias massificadas e massificadoras, abrir mão da imposição de saberes, práticas e pontos de vista.

            A escuta engajada é passo essencial para assumirmos como cultura toda produção popular e abolirmos a ideia de que a beleza e a criatividade estão apenas nas mãos da academia, da elite, das nações mais ricas, das galerias de arte e dos críticos. Precisamos lembrar que a arte é a quebra da massificação, se insípida não cumpre seu papel.

             A arte e a escuta engajada, por suas afinidades, podem ter muitos encontros e todos eles desvelam nossa díade ouvinte-falante. Eu mesma me aventurei numa dessas experiências ao resolver gravar vídeos da minha avó, contando suas histórias, dando conselhos e etc. É incrível o que pode acontecer quando damos voz às pessoas, especialmente as menos ouvidas, recomendo a todos replicar essa ideia ou inventar novas formas de escuta engajada. Todos nós conhecemos o bem estar provocado pelo acolhimento da escuta, mas poucos, a preciosidade de ser o destino de histórias, memórias e afetos, lançando luz sobre os atores, celebrando a aplaudindo os protagonistas esquecidos.



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