Podemos
perceber na internet a propagação de ideias de cunho
discriminatório e violento em relação a certas classes e segmentos
sociais. Longe de ser uma novidade, a cultura do ódio se caracteriza
por uma negação radical da diferença e da alteridade. O pobre, o
negro, o
homessexual e até a mulher costumam ser os alvos preferidos do
"haters".
Caetano
explica "(...) porque Narciso acha feio o que não é espelho"
e de cara já podemos refletir sobre o estranhamento no encontro com
o outro. O outro é tudo aquilo qual não pertenço, não conheço e
não me aproximo, é o campo do desconhecido.
Numa
sociedade em que o narcisismo e a estetização do eu são práticas
comuns e amplamente estimuladas, onde encontramos parâmetros claros
e restritos do ideal comportamento e sociabilidade, o campo da
diferença pode ganhar ares sombrios, alvo de projeções de tudo o
que é mau, feio e incorreto.
Podemos
dizer, que hoje, sofremos uma grande pressão homogeneizadora, onde
as subjetividades se podam à serviço do capital e devem escolher
entre pacotes pré-prontos de estar no mundo. Encontrar os menus é
fácil: hipster, nerd, mãe, religioso, entre outros. Qualquer matiz
diferente ou pequena subversão já provoca o olhar inquisitor. Pense
nas grávidas tatuadas, nos idosos que fazem sexo, nos nerds
religiosos, nos casais gay que tem filhos. Imagine agora as possíveis reações ao encontro de um outro que optou pela mais radical singularidade, uma forma totalmente nova de
ser e estar em cada espaço-papel.
Os
novos feudos, os shoppings, a TV, as grandes empresas e em alguns
momentos a própria internet ditam as regras do como ser, como
vestir, como andar, o que comer, como ser chic (vide Glória Khalil)
e tantas outras normas disfarçadas de moda. Por que norma? Pois o
desvio do padrão pode provocar o ódio e o desprezo dos demais.
A
escolha de qualquer forma pronta de ser equivale a alienação do
próprio desejo e da própria conjuntura social em que vivemos. A
consequência é a intolerância impensada dirigida aos agentes das pequenas forças
que rompem as grades engessadas das exigências sociais e ameaçam
nossa forma frágil (porque não conectada com a realidade do
desejo), adaptada e imóvel de estar no mundo. Afinal, o que seria da
sociedade como a conhecemos se todos agissem conforme seus impetos
mais singulares? Trabalharíamos 8 horas para gerar um lucro que não
nos beneficia? Passaríamos 4 horas no trânsito urbano? Consumir
realmente seria uma opção para a realização pessoal? Superar o
outro bastaria como parâmetro de sucesso?
O
ódio poderia surgir exatamente pela ameaça a esse eu fraco e opaco,
tão pouco pautado no desejo e numa reflexão singular sobre o mundo
e a vida. Podemos lembrar também dos estudos sobre comportamento
coletivo onde é apontado um determinado padrão: o ódio de um grupo
dirigido a outro aumentaria o sentimento de coesão e indentidade
grupal do grupo opressor. O que poderia indicar o uso das
normatizações a serviço da manutenção do status quo social.
Talvez
nos falte entender que as pequenas rupturas não são o início de um
colapso social, mas o começo de um novo tempo, em que a diversidade,
o compartilhamento e a solidariedade nos tornarão mais ricos de
alma, mais felizes do sexo e no amor, mais livres na mente e mais
inteiros no agir..