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terça-feira, 12 de novembro de 2013

A QUEM SERVE A ARTE?



                        A arte, insofismável valor humano, sofre mutações, resgates e ressignificações ao longo da história. Estas transformações antes de meras tendências estéticas, desvelam o “espírito da época”. O contexto social, religioso, econômico e político encontram-se representados na arte, mesmo que delineando um posicionamento contrário as suas forças hegemônicas, como o movimento da Contracultura, que rompendo com as formatações de sua época, acabou por desnudar a impossibilidade de uma “acultura”, ao passo que representou um desejo coletivo de quebra. A arte acaba por metaforizar os diferentes atores e discursos do contexto histórico presente.
Adbusters

A atualidade marcada por arranjos submetidos ao poder das grandes corporações, assiste a uma transformação das relações, hoje mais que nunca recortadas pelas relações de consumo. A arte, como toda produção humana, não poderia manter-se ilesa a este processo.

Pintura de Paul Kuczynski

Se no ideário de muitos a arte deveria servir ao entretenimento, ou mesmo a fuga dos problemas cotidianos, cabe aqui a pergunta: Existiria arte sem política? Ou, a arte pode ser amputada de sua faceta política? Se a estas questões supomos uma resposta afirmativa, corremos o risco de nos alienarmos ao discurso que muitas vezes sustenta determinadas formas de produção “artística”, pois até a produção que favorece uma “despolitização” ou um “desengajamento” social, já é por si só política pela ação de exercer algum controle sobre os ideais e os conceitos de mundo das coletividades, retirando-lhes uma possibilidade de “empoderamento”.Se a arte parece mais preocupada com o espetáculo, com a decoração e o entretenimento fácil e vazio, corre o risco servir a despolitização e ao controle.  A produção artística pode servir tanto a resistência singularizante de comunidades que reafirmam sua identidade autoral, quanto ao mercado. Podemos notar a grande procura de estímulos fáceis e novidades inebriantes, onde a arte ganha status de bem de consumo. As marcas procuram cada vez mais associar seus emblemas a produtos-arte e o novo consumidor acredita estar agregando valor a sua imagem pública. Poderíamos dizer que este processo favorece a popularização da arte, o que seria positivo, no entanto o que observamos é a banalização de uma imagética cada vez mais saturada e vazia, que se poderia servir a reflexão ou ao “empoderamento”, acaba por favorecer mais um consumo de símbolos desprovido de sentido.

Grafite de Banksy, do projeto "Better Out Than In"

       Hoje, até as cidades parecem estar à venda, cada vez mais adaptadas e enfeitadas aos visitantes, com grandes eventos esportivos e culturais que muitas vezes não apresentam nenhum impacto sobre os reais problemas da cidade. A participação dos sujeitos sobre estas grandes estruturas efêmeras é fugaz, pois o projeto cidade-espetáculo não favorece a criação de vínculos significativos na comunidade e no espaço-histórico. Não sem motivo assistimos a isso, a cidade-espetáculo serve ao capital, não a comunidade, assim como certas modalidades de arte, retiram do sujeito oportunidade de refletir, compreender e criticar formas de vida. Em outras palavras, a arte pode acabar por servir como “aparelho ideológico” do estado, como afirma Bourdieu, e mesmo das grandes corporações.Encontramos muitas vezes uma barreira ideológica que tenta retirar dos pobres, suburbanos, loucos e outros a possibilidade de fazer arte. Como se para criar ou refletir arte precisássemos do aval da academia. A academia não criou a arte, apesar de tentar levar para si os créditos da genialidade de alguns. Se a arte tem um dono, esse dono é o povo, a multiplicidade criativa está cada vez mais rara nos domínios que excluem a diferença como valor fundamental.

         A ideia de capital cultural precisa ser flexibilizada afim de atender a arte produzida pelas minorias, nos guetos, favelas, nos hospitais. A arte que serve a pessoa, aos grupos, pode ser aquela mais simples e despretensiosa, que vai resgatar os discursos dos esquecidos e resistir a massificação das subjetividades, fazendo repensar papéis sociais, possibilidades de vida, questões de gênero, ou qualquer outra reflexão que estimule autoria e não a compra de modelos de vida pré-prontos. Podemos citar muitos focos de resistência, como a batalha de passinho, o Museu de Imagens do Inconsciente, as Universidades Populares, Ler é Abraçar, Banksy, o Tá na Rua e muitos e muitos outros...Deixo uma pergunta ao leitor: Qual arte merece sua atenção?

Fotografia de JR