Atualmente, vivemos um importante problema: A crescente escassez da
escuta. É notável a reclamação generalizada, são muitos os que não se sentem
ouvidos. Na reunião de trabalho, no ônibus, no almoço, na família, no debate,
no protesto, a fala perde-se, se dissipa. Onde jaz o destino da palavra? Talvez
a resposta esteja no seu avesso. Para ouvirmos o falante, precisamos silenciar
a nós mesmos. A palavra só encontra seu destino no silêncio. Para cada sujeito
ignorado encontramos um outro falante, uma alteridade que também não quer abrir
mão de sua expressão, da verbalização de seus pensamentos, que não quer
silenciar-se, que em suma não pode transitar do espaço do ator (o palco) para a
plateia.
Podemos dizer,
que para a construção da subjetividade, precisamos do outro, sua imagem, seu
olhar, sua fala e sua audição. Não há indivíduo sem sociedade, pessoa sem
relação, toda divisão precisa ser superada. Pensando nisso questionamos: Com
uma plateia vazia como formar bons atores? Em outras palavras, num território
onde todos querem representar seus próprios egos, expressar-se em demasia, sem
dar lugar ao outro, é possível uma subjetividade sadia?
Coadunamos com uma
sociedade que dá importância exagerada à extroversão, à fala e a auto
expressão. O Eu é demasiadamente glorificado, vivemos em profusão de estímulos,
exuberância e exagero. O entorpecimento das nossas sensações em alta inflação
do Ego está em detrimento do Outro empobrecido, cada vez menos investido do
capital da escuta. Ficamos anestesiados para a experiência da alteridade.
Tudo isto se agrava
quando falamos das “minorias”, das parcelas historicamente ignoradas e caladas
à força, pelo dito do “mais forte”. Mulheres, índios, pobres, criminosos,
velhos, negros, latinos, homossexuais, analfabetos, interioranos, crianças,
suburbanos, loucos e muitos outros. Dar voz a eles significa abrir espaço, dar
lugar, colaborar para a emersão de subjetividades da amálgama do esquecimento.
É promover vitalidade psíquica e social, é poder inventar novas relações e
assim criar uma nova cidade. Esta é a escuta do invisível, é a escuta engajada,
aquela que cria novos atores, ativos sociais. Estes novos falantes
inevitavelmente irão nos surpreender com seu olhar sobre o mundo,
possibilitando a ressignificação por todos os ouvintes, que mais cedo ou mais
tarde, poderão abrir mão de suas ideias massificadas e massificadoras, abrir
mão da imposição de saberes, práticas e pontos de vista.
A escuta engajada é
passo essencial para assumirmos como cultura toda produção popular e abolirmos
a ideia de que a beleza e a criatividade estão apenas nas mãos da academia, da
elite, das nações mais ricas, das galerias de arte e dos críticos. Precisamos
lembrar que a arte é a quebra da massificação, se insípida não cumpre seu papel.
A arte e a escuta
engajada, por suas afinidades, podem ter muitos encontros e todos eles desvelam
nossa díade ouvinte-falante. Eu mesma me aventurei numa dessas experiências ao
resolver gravar vídeos da minha avó, contando suas histórias, dando conselhos e
etc. É incrível o que pode acontecer quando damos voz às pessoas, especialmente
as menos ouvidas, recomendo a todos replicar essa ideia ou inventar novas
formas de escuta engajada. Todos nós conhecemos o bem estar provocado pelo
acolhimento da escuta, mas poucos, a preciosidade de ser o destino de
histórias, memórias e afetos, lançando luz sobre os atores, celebrando a
aplaudindo os protagonistas esquecidos.