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quarta-feira, 23 de abril de 2014

SOBRE A CULTURA DO ÓDIO

      Podemos perceber na internet a propagação de ideias de cunho discriminatório e violento em relação a certas classes e segmentos sociais. Longe de ser uma novidade, a cultura do ódio se caracteriza por uma negação radical da diferença e da alteridade. O pobre, o negro, o homessexual e até a mulher costumam ser os alvos preferidos do "haters".
         Caetano explica "(...) porque Narciso acha feio o que não é espelho" e de cara já podemos refletir sobre o estranhamento no encontro com o outro. O outro é tudo aquilo qual não pertenço, não conheço e não me aproximo, é o campo do desconhecido.
      Numa sociedade em que o narcisismo e a estetização do eu são práticas comuns e amplamente estimuladas, onde encontramos parâmetros claros e restritos do ideal comportamento e sociabilidade, o campo da diferença pode ganhar ares sombrios, alvo de projeções de tudo o que é mau, feio e incorreto.
  Podemos dizer, que hoje, sofremos uma grande pressão homogeneizadora, onde as subjetividades se podam à serviço do capital e devem escolher entre pacotes pré-prontos de estar no mundo. Encontrar os menus é fácil: hipster, nerd, mãe, religioso, entre outros. Qualquer matiz diferente ou pequena subversão já provoca o olhar inquisitor. Pense nas grávidas tatuadas, nos idosos que fazem sexo, nos nerds religiosos, nos casais gay que tem filhos. Imagine agora as possíveis reações ao encontro de um outro que optou pela mais radical singularidade, uma forma totalmente nova de ser e estar em cada espaço-papel.
      Os novos feudos, os shoppings, a TV, as grandes empresas e em alguns momentos a própria internet ditam as regras do como ser, como vestir, como andar, o que comer, como ser chic (vide Glória Khalil) e tantas outras normas disfarçadas de moda. Por que norma? Pois o desvio do padrão pode provocar o ódio e o desprezo dos demais.
      A escolha de qualquer forma pronta de ser equivale a alienação do próprio desejo e da própria conjuntura social em que vivemos. A consequência é a intolerância impensada dirigida aos agentes das pequenas forças que rompem as grades engessadas das exigências sociais e ameaçam nossa forma frágil (porque não conectada com a realidade do desejo), adaptada e imóvel de estar no mundo. Afinal, o que seria da sociedade como a conhecemos se todos agissem conforme seus impetos mais singulares? Trabalharíamos 8 horas para gerar um lucro que não nos beneficia? Passaríamos 4 horas no trânsito urbano? Consumir realmente seria uma opção para a realização pessoal? Superar o outro bastaria como parâmetro de sucesso?
       O ódio poderia surgir exatamente pela ameaça a esse eu fraco e opaco, tão pouco pautado no desejo e numa reflexão singular sobre o mundo e a vida. Podemos lembrar também dos estudos sobre comportamento coletivo onde é apontado um determinado padrão: o ódio de um grupo dirigido a outro aumentaria o sentimento de coesão e indentidade grupal do grupo opressor. O que poderia indicar o uso das normatizações a serviço da manutenção do status quo social.
      Talvez nos falte entender que as pequenas rupturas não são o início de um colapso social, mas o começo de um novo tempo, em que a diversidade, o compartilhamento e a solidariedade nos tornarão mais ricos de alma, mais felizes do sexo e no amor, mais livres na mente e mais inteiros no agir.


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